Mulheres negras nos quadrinhos: Jackie Ormes, você não conhece? Mas deveria.

Se hoje já conseguimos acabar com essa ideia de que o universo dos quadrinhos é exclusivamente dos homens (graças a algumas iniciativas como site Lady’s Comics, Inverna, Zine XXX e a página Mulheres Nos Quadrinhos), uma coisa ainda não conseguimos derrubar: que os quadrinhos são dominados pelo brancos. Tanto no meio das mulheres quantos dos homens dificilmente encontramos pessoas negras ou personagens negras devidamente representados.

Sabe aquela coisa da mulata gostosa e desejada? Ou a empregada doméstica que fala errado e que nem completou o 1° ano? Então… na maioria das vezes quando personagens negros são representados, não se foge desse estereótipo.

Porém a partir de hoje vou estar aqui tentando acabar um pouco com isso e tentar construir essa memória das mulheres negras, trazendo tanto as que foram representadas, quanto as artistas que se meteram nos quadrinhos. E assim mostrar que isso não é só coisa de branco.

Para começar essa nossa construção vamos falar dela, Jackie Ormes foi batizada como Zelda Mavin Jackson, adotando o sobrenome

Ormes depois de casada. Nasceu em 1 de agosto de 1911 na cidade de Pittsburgh, Monongahela, Pennsylvania área metropolitana.

Ormes começou no jornalismo como revisora para o Pittsburgh Courier, um jornal Afro-americano semanal que era publicado aos sábados. Foi o Courier, em 1937, que publicou sua primeira tira de quadrinhos, “Torchy Brown in Dixie Harlem”. Numa representação bem-humorada de uma adolescente do Mississippi que encontrou a fama e fortuna cantando e dançando no Cotton Club, a jovem representa a primeira personagem negra independente.

Segundo Trina Robbins, apenas três cartunistas afro-americanos conseguiram quebrar a barreira da cor nos quadrinhos durante toda a primeira metade do século XX, e todos eram homens. Para ela, Jackie Ormes, uma mulher afro-americana, não iria tentar vender seus quadrinhos em um jornal para brancos. Daí a escolha de um jornal destinado ao público negro.

Torchy Brown in “Dixie Harlem” estreou em um jornal para negros e foi distribuída para mais outros 14 jornais, também para negros, espalhados por todo o país. Ormes tornou-se a primeira mulher negra a produzir história em quadrinhos. Mudou-se para Chicago em 1942, e logo começou a escrever artigos ocasionais e, brevemente, uma coluna social do Chicago Defender, um dos principais jornais do país.

Em agosto de 1945, a obra de Ormes estava de volta na Courier. Com o advento da Patty-Jo ‘n’ Ginger, ela apresentava uma irmã mais velha que estava sempre de cabelo em pé com sua irmã mais nova uma criança precoce, perspicaz e socialmente politicamente consciente.

Em 1950, Ormes reinventa a sua personagem Torchy em uma nova história em quadrinhos, Torchy em Heartbeats. Esta Torchy era uma mulher bonita, independente, que encontra aventura, enquanto procura o amor verdadeiro. Ormes manifestou seu talento para o design de moda, bem como a sua visão de um corpo negro bonito feminino.

A tira é provavelmente mais conhecida por seu último episódio em 1954, quando Torchy e seu namorado médico enfrentam o racismo e a poluição ambiental. Torchy, uma mulher negra em contraste com as representações estereotipadas da mídia contemporânea, estava confiante, inteligente e corajosa.

Se você se interessou e quer saber mais sobre a nossa querida Jackie Ormes, pode encontrar aqui na tese “Jackie Ormes: a ousadia e o talento da mulher negra nos quadrinhos norte-americanos (1937-1954)” da Natania A. S Nogueira e dá pra encontrar ela completo na internet.

Beijos

Vamos à luta!!

Ilustração: Jéssica Lisboa, www.facebook.com/jessicalisboa.ilustracoes

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Quem sou essa no espelho?, por Preta

Então parei em frente ao espelho e percebi que havia alguma coisa errada. Alguma coisa não condizia com meu eu refletido ali, não condizia com a mensagem que eu queria passar.

Desde muito nova percebia que era diferente das outras crianças que conviviam comigo e num colégio particular de bairro onde você é um dos poucos negros, o resto dos alunos faz questão de te dar um memorando disto com certa frequência (e perversidade).

O ambiente escolar, para mim, sempre foi muito eficiente em adestrar seus alunos negros e castrá-los de sua negritude. Estávamos sempre ali, fingindo não ter a pele preta, perambulando disfarçados por entre brancos, tentando conter  fios crespos e rebeldes que teimavam em crescer com químicas ou máquinas 0.

Já fui a vilã dos piolhos, mesmo tendo menos hóspedes sanguessugas que minhas amiguinhas de madeixas lisas e esvoaçantes; já ouvi que trancinhas fediam; já fui a última da lista “as mais bonitas da turma”; já fiquei sem par pra dançar a quadrilha; já cansei de ouvir que era feia. No ápice dessas experiências implorei à minha mãe que alisasse meu cabelo, provavelmente isso me deixaria mais atraente, faria eu receber alguma cartinha de amor ou proposta de um selinho tímido. Seria minha chance de olhar no espelho e me sentir tão bem quanto as outras meninas. Nada disso aconteceu, por anos e anos fui mutilando minha verdadeira identidade para agradar e me encaixar num padrão que apenas não havia sido criado para mim, porque eu era negra.

Pelo que tenho nas minhas lembranças, não era fácil pra nenhum jovem negro, mas junte ao racismo umas boas doses de machismo e os garotos negros conseguiam se virar um pouco melhor que garotas negras. Meninos negros ainda que muitas vezes fossem taxados como os pivetes da turma ainda tinham o poder de escolha para se relacionar, por exemplo. Meninas negras apenas aguardavam algum ser iluminado que conseguisse enxergar beleza fora  do padrão estético que lhe era empurra goela abaixo ou um fulano que fosse tão rechaçado, seja lá por qual motivo, a tal ponto que nenhuma garota ficaria com ele, apenas um negra, sozinha, carente e despreparada.  Não me apareceu nenhum rapaz iluminado, recuso-me a ficar com o último tipo citado. Restou a solidão, sem exageros. As únicas cartinhas do tempo de escola são todas de amigas, parabenizado pelo aniversário ou reforçando os laços. Foram as únicas cartas do tempo de escola, são as únicas cartas até hoje.

Ilustração: Sabrina Souza, www.facebook.com/satanwithatypo

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Falando nelas…

Com a estreia de Março, estreará também a Faladelas: uma revista digital que será organizada por edições mensais.

Com mais de 20 colaboradoras na nossa primeira edição, a principal motivação dessa revista é ser +1 canal de voz, informação e despertar para mulheres, por mulheres.

Entendendo que “ser mulher” não é preto no branco, não é uma imposição binária mas sim um estado físico-mental-espiritual que varia de pessoa pra pessoa, indo em direção contrária aos eixos machistas heteronormativos.

Mantendo em mente que a luta é principalmente por um feminismo negro, gordo, lgbtt e menos voltado a um público privilegiado socialmente ou a uma faixa etária específica.

Os espaços do ramo criativo agem como se fôssemos invisíveis ou apenas como “musas inspiradoras”, nunca como agentes ou como potencializadoras. O machismo nessas indústrias hostiliza e violenta nossos corpos, mentes, histórias e nossas criações são tomadas como segundo plano e “desmerecidas de menção.”
Assim, somos sempre esquecidas pelo mainstream opressor.
Também por esse motivo, quando produzimos a nós mesmas e umas as outras, conquistamos nossos próprios espaço.
Nos legitimamos, nos inspiramos, nos fortalecemos e construimos espaços mais seguros para nos expressarmos.

(Isso tudo pode ser lido em “Sobre”).

Marina Matos.